Neste período de início de ano e, portanto, de gozo de
férias dos professores, muitas têm sido as consultas desses profissionais,
ESPECIFICAMENTE DO INTERIOR DO ESTADO, sobre Férias e Recesso Escolar.
Antes de tecermos considerações sobre a questão que
pretendemos esclarecer, é importante destacar que a Constituição da República
dispõe em seus princípios, enunciados no caput do artigo 37, que a
Administração Pública está submetida aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A administração pública
se assenta nessas bases.
Consoante o princípio da legalidade, primado da atuação do
Estado, os gestores públicos só podem fazer aquilo que a lei lhes permite.
Nesse contexto, é importante iniciar transcrevendo o artigo
7º, inciso XVII, da Constituição Federal:
“Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um
terço a mais do que o salário normal.”
Ainda sobre o direito às férias, o artigo 39, Parágrafo 3º,
da Constituição Federal (CF) estende a todos os ocupantes de cargo público o
disposto no art. 7º, dentre eles, o direito a férias e adicional de 1/3.
A Constituição do Estado do Ceará, no artigo 166, Parágrafo
2º, também aplica aos servidores estaduais o disposto no artigo 7º da CF, no
que se refere às férias e outros direitos sociais.
Os servidores públicos estaduais têm esse direito assegurado
no artigo 167, inciso VII da Constituição Estadual: “gozo de férias anuais
remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do salário normal”.
A Lei nº 9.826, de 14 de Maio de 1974, que dispõe sobre o
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Ceará, em seu artigo 78,
esclarece: “O funcionário gozará trinta dias consecutivos, ou não, de férias
por ano, de acordo com a escala organizada pelo dirigente da Unidade
Administrativa, na forma do regulamento.”
Como é sabido, o Estatuto do Servidor Público Estadual é a
lei geral dos servidores públicos.
De Plácido e Silva preleciona: “É princípio assente que as
leis gerais não devem revogar ou derrogar preceito ou regra disposta e
instituída em lei especial, desde que não façam referência a ela, ou ao seu
enunciado, alterando-a explícita ou implicitamente” (Vocabulário Jurídico, 20ª.
Edição, Editora Forense, 2002, pág. 483).
No caso dos professores, existe lei específica: Estatuto do
Magistério, que abrange os professores e especialistas da educação.
Em reforço ao dito acima, o Estatuto do Servidor Público
Estadual, no artigo 254, parágrafo único, reconhece que o professor, dentre
outros profissionais, terá seu regime de trabalho definido em regulamento
próprio. É o princípio: Lei especial (ou específica) derroga a lei geral. Em outras
palavras: prevalece a lei mais específica.
A Lei específica, todos sabem, é o Estatuto do Magistério
Oficial do Estado, Lei 10.884/84, que afirma que as férias dos professores
estão definidas na conformidade do art. 39, caput, com a redação que lhe foi
dada pela lei nº 12.066/93:
Art. 39 - O Profissional do Magistério de 1º e 2º Graus
gozará 30 (trinta) dias de férias anuais após o 1º semestre letivo e 15 dias
após o 2º período letivo."
§ 1º - O Professor e o Especialista que se ausentarem da sua
Unidade Escolar, fora do período de férias, por imperiosa necessidade, deverão
comunicar ao Diretor respectivo, para adoção das providências cabíveis.
§ 2º - O Profissional do magistério que exerce atividades
nos diversos setores da Secretaria de Educação ou em outro órgão da
administração Pública Estadual, gozará férias na forma que dispõe o Estatuto
dos Funcionários Públicos Civis do Estado, inclusive com direito à contagem em
dobro, se deixar de usufruí-las.
§ 3º - No período de recesso escolar, após o 2º semestre
letivo, o servidor ficará à disposição da unidade de trabalho onde atua, para
treinamento e/ou para realização de trabalhos didáticos.
Observe que é de nitidez solar que as férias são de 45 dias.
Recesso não se confunde com férias; portanto, o período de recesso escolar, ao
qual se refere o § 3º acima, é algo de natureza jurídica diferente das férias
anuais.
Miguel Reale, no clássico Lições Preliminares de Direito,
25a. ed., Página 281, nos ensina que:
"O primeiro dever do intérprete é analisar o
dispositivo legal para captar o seu pleno valor expressional. A lei é uma
declaração da vontade do legislador e, portanto, deve ser reproduzida com
exatidão e fidelidade. Para isto, muitas vezes é necessário indagar do exato
sentido de um vocábulo ou do valor das proposições do ponto de vista
sintático."
Para essa perquirição filológica nos valeremos dos
ensinamentos de De Plácido e Silva, que no seu dicionário denominado
deVocabulário Jurídico, pág. 352, nos explica: “Férias anuais. Denominação que
se dá no conceito das leis trabalhistas, ao período de folga de descanso anual
que deve ser concedido ao empregado, após o exercício de atividades por um ano,
ou seja, por um espaço de tempo de 12 meses.(...)”
Pois bem, no caso dos profissionais do magistério, após o
período aquisitivo de 12 meses, o período de gozo é dividido em dois momentos,
30 dias após o primeiro semestre letivo e 15 dias após o segundo período
letivo.
O mesmo autor, na mesma obra citada, define "recesso"
na pág. 678: do latim, recessus, afastado, recatado, exprime a ideia de folga,
repouso, consequentemente, interrupção, suspensão, paralisação e, no caso
específico, não há dúvida de que o pré-falado Parágrafo 3º se refere a recesso
escolar, ou seja, suspensão das atividades escolares.
De modo algum o Parágrafo 3º excepciona o disposto no caput
do artigo em tela, apenas menciona que, no período de recesso, o servidor
ficará à disposição da unidade de trabalho onde atua, para treinamento e/ou
para realização de trabalhos didáticos.
Diante do exposto, conclui-se: as férias dos professores do
estado do Ceará são de 45 dias, como de resto o é na maioria dos sistemas de
ensino.
É cediço que no exercício de compreensão de um preceito é
preciso considerar que nenhum dispositivo está separado dos demais. Há uma
correlação com todo o artigo e a norma jurídica. A ideia é de sistema que se
articula logicamente: é o que se denomina deinterpretação lógico-sistemática.
Tudo isso é para dizer que, no caso em tela, não haveria
sentido algum o legislador fixar as férias dos profissionais do magistério em
45 dias, para logo depois, negar em parágrafo o disposto no caput.
Por fim, fica cada vez mais límpido, que o Parágrafo 3º, do
artigo 39, do Estatuto do Magistério, ao fazer referência que no período de
recesso escolar, após o segundo semestre letivo, o servidor ficará à disposição
da unidade de trabalho não está contrariando o caputdo mesmo artigo que firma
que o professor gozará de 15 dias de férias após o segundo semestre letivo,
pois, como bem repisado acima, o instituto das férias é de natureza jurídica
diversa de recesso escolar, é dizer, APÓS o gozo dos 15 dias do segundo período
de férias, o servidor ficará à disposição da unidade de trabalho onde atua,
para SOMENTE participar de treinamento e/ou para realização de trabalhos
didáticos.
Destacamos o vocábulo “SOMENTE” para deixar bem claro que
gozadas as férias, 30 (trinta) dias de férias anuais após o 1º semestre letivo
e 15 (quinze) dias após o 2º período letivo, o servidor ficará durante o
recesso escolar à disposição da unidade escolar para apenas participar de duas
atividades: Treinamento e/ou realização de trabalhos didáticos, ou seja,
trabalho relacionado à docência. De modo algum trabalhos técnicos administrativos,
pois são trabalhos alheios às atribuições de profissional do magistério.
Como dito no início, é de notório e cristalino conhecimento
jurídico que a Administração Pública é regida por princípios, dentre eles o da
legalidade; portanto, é vedado ao gestor praticar ato contrário à Lei, desse
modo, não poderá haver nenhuma orientação ou ordem que viole o direito aos 45
dias de férias dos profissionais do magistério.
Prof. Reginaldo Pinheiro
Vice-Presidente do Sindicato APEOC
OAB-CE 18.450
Nenhum comentário:
Postar um comentário